Transatlântico vazio

Desliguei o telefone, junto com todo o resto. Fui atrás da Malu, lhe contei o que aconteceu e ela chorou, enquanto eu não. Parecia que já tinha passado por aquilo antes, ter andado por aquele piso irregular. Meu irmão médico me ligou, eu já sabia. Não quis ver ninguém, só ela, que também já sabia. Chegou no shopping que eu estava em uns 40min, e também chorou. "Estranho!". Era um choque, bem aliviante, de certa forma. Com certeza.
Finalmente conheci alguém que havia visto a luz. Era dia 12 de abril, disso eu nunca vou me esquecer. Nos divertimos a tarde inteira, e como é bom dizer isso e saber que não está mentindo, que foi realmente diversão. Decidi ir pra casa, então. Despedi-me dela e voltei, eram umas 16h. Chorei enfim, com as mulheres.
Saí com meu tio e compramos refrigerantes. Voltamos e nos dispersamos. Vi minha cunhada chorando, e ela não se importava de chorar, isso era muito estranho pra mim. Eu era uma forma plural de vida, e começava ali naquela hora uma singularidade imediata. Nunca me senti tão particular.
Uma visão congelada de uma brasa agoniante. Abraços, palavras em volume mínimo, e etc. Velórios são iguais sempre. Escondi-me no carro,como sempre, respirando fundo, dessa vez, sem The Killers. Wagner pelo telefone me ajudou. Queria me encontrar com ele, mas iria pra um sítio no dia seguinte. Tinha um jornal no carro, o li todo ,ouvindo rádio. Pronto ! Agora sim acho que já da pra voltar.
Não ficamos muito tempo. Fomos embora, eu e minha mãe. Dormimos juntos, tranquilamente. O lençol derramou-se em câmera lenta na cama, era reconfortante aquele cena.
Café.
Voltar.
Depois de confirmar como ele era e estava bonito após mais de sete décadas, e conversas esquecidas sobre responsabilidades e futuro, nós o fechamos em sua caixa. Nota: meu posto de homem-da-casa não durou nem um ano. "O que aquele padre faz ali?" - o religioso deu a bênção dele a quem nunca lhes admirou, muito pelo contrário, a quem sempre riu deles pelas costas.
Era uma vitória do deboche, do cinismo. Que legal, eu achei, dias depois, obviamente.
Um cortejo bonito, que eu acharia melhor à noite.
Quanta gente triste, quanta inconformação, quanto ritual, quanta saudade...
Lá foi-se ele dentro da gaveta. Droga de gaveta! Sonhos com essa gaveta permeiam meu sono até hoje, quase 3 anos depois. Em sua homenagem, o Lucky Strike me faz companhia.
Chegando naquela casa, naquele transatlântico vazio, prometi e registrei a vários, minha mudança e o querer ser herói.
Dei de ombros as isso.
Se soubesse na prática algo que ele gostava, fosse aeromodelismo ou violino, faria algo pra ele, no meio do transatlântico vazio que esse mundo todo virou depois que a gaveta se fechou.


faria uma declaração do tamanho de um navio.

Um comentário:

paula luane disse...

é teu, né?